Foi publicada hoje a Lei nº 13.010/2014,
popularmente - e equivocadamente - referida como 'lei da palmada'. O novo
diploma legal alterou parcialmente o ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente), inserindo 3 novos artigos: o 18-A, o 19-A e o 70-A.
Contrariamente ao que foi propagado
pelos meios de comunicação, a mudança legal não criminalizou a palmada, mas,
sim, previu sanções administrativas para a violência infantil. A nova redação
do ECA afirma, agora, que crianças e os adolescentes têm o direito de serem
educados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante como
formas de correção, disciplina ou educação.
A legislação define como castigo físico
aquele que resulta em sofrimento físico ou lesão. Ou seja, a legislação não
proíbe o uso de 'palmada'. O que a norma proíbe é que o menor sofra fisicamente
ou seja lesionado, sob o pretexto de correção disciplinar. A definição legal é
ampla? De certa forma, sim. O Judiciário ainda terá que estabelecer os devidos
limites. Mas não existe legislação boa sem intérpretes racionais. É a prática
social comumente aceita a que deverá definir o limite do razoável, nesses
casos.
A mudança legal também impede o
tratamento cruel ou degradante da criança, ou seja, a violência psicológica.
Particularmente, entendo que nenhuma das
duas condutas acima referidas eram lícitas, mesmo antes da mudança legal. Tanto
a violência física, causando sofrimento ou lesão corporal, como a violência
psicológica já eram proibidas pela legislação penal e pelo próprio ECA. Senão, vejamos.
O emprego da violência para causar
sofrimento físico - ou psicológico - é a definição precisa do crime de tortura
(Lei 9.455/97). Por outro lado, o uso de violência física que cause lesão é o
próprio crime de lesão corporal (art. 129 do Código Penal) ou, nos casos de
menor gravidade, de injúria física (art. 140, §2º do Código Penal). Sobre a
violência psicológica, o artigo 232 do ECA já previa como crime a conduta de
submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a
vexame ou a constrangimento. Logo, em matéria de crime, não vejo nada de novo
sob o Sol.
Não me parece que a alteração legal
traga realmente qualquer nova proibição aos pais e familiares que já não fosse
contemplada na legislação vigente. Por outro lado, a simples palmada educativa,
dentro dos limites razoáveis, não pode ser criminalizada ou considerada como
uma violência física apta a causar sofrimento ou lesão. Já nos casos em que a
palmada se torna agressão física, essa já deveria ser punida de qualquer forma,
seja pelo crime de tortura, de lesão corporal ou de injúria física.
Então, o que mudou?
A resposta está, na verdade, no novo
artigo 18-B do ECA. Nos casos em que o tratamento dado ao menor fuja da
normalidade, o Juiz pode adotar não só medidas criminais, mas pode se valer
também de medidas administrativas, como o encaminhamento do menor ou de seus
familiares a programa oficial ou comunitário de proteção à família; a
tratamento psicológico ou psiquiátrico; a cursos ou programas de orientação; a
tratamento especializado; ou a simples advertência.
Parece-me que a Jurisprudência acabará
adotando essas medidas em substituição à adoção da sanção penal, evitando a
criminalização das relações familiares e adotando medidas com maior
efetividade. Assim, a mudança pode acabar prevendo um tratamento mais brando, e
mais célere, do que a punição penal, a qual pode acabar ou se tornando
ineficaz, ou estigmatizando a relação familiar.
Se essa Lei será ou não produtiva, isso
dependerá da prática Judiciária. Um bom Juiz pode corrigir uma Lei ruim, mas
não há Lei boa que corrija um mau Juiz.
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