O
pastor Jorge da Primeira Igreja Batista em Laranjeiras, nos encaminhou um
artigo interessante, publicado na Revista Povos. Ele é um reflexo das lutas que
se deve ter para a verdadeira unidade das igrejas. “Falta voz profética contra
a violência e corrupção, falta luta pela causa dos pobres, como nos exorta a
Palavra de Deus: ‘O justo se interessa pela causa dos pobres, mas o perverso de
nada disso quer saber’ (Provérbios 29:7). O resultado está aí: quanto mais
empobrecida a comunidade, maior o número de igrejas. O evangelho cresce, mas
não há mudança, transformação. É razoável afirmar que podemos fazer mais!
Dois
são os motivos principais de dezenas de igrejas em um único bairro não
conseguirem causar impacto social: a falta de unidade, e a uma missiologia
reducionista.”
Deu
certo na cidade de Filipe Camarão/RN, e pode dar certo em qualquer outro lugar.
o nome disso chama-se “Unidade”. Leia na íntegra o texto abaixo:
Igrejas e Transformação Comunitária nas grandes cidades Nordestinas
Leandro Silva*
Não é de hoje a
constatação da forte presença da igreja nos bairros mais empobrecidos. Nas
comunidades urbanas do Nordeste, extrema pobreza, violência e injustiça
convivem lado a lado com a profusão de templos evangélicos.
Oficializado no dia 22 de agosto
de 1968, o bairro de Felipe Camarão na região oeste da cidade de Natal, capital
do Rio Grande do Norte, é um exemplo dessa realidade. Segundo o censo de
2000, a população do bairro está calculada em 45.907 habitantes, mas as estimativas
são de que já existam cerca de 72 mil pessoas, vivendo em uma área de 663,4 ha
. São 10.782 domicílios, sendo que 1.227 são moradias construídas em área de
risco (Censo 2000); 31,39% dos moradores sobrevivem com um salário mínimo,
41,08% recebem até três salários, 12,82% não têm renda alguma. A média dos
rendimentos mensal é de 1/3 da média da cidade o que significa R$ 327,00 por
família. 29,82% da população é formada por jovens; 35,4% está faixa etária de 0
a 14 anos; Apenas 11,81% da população terminou o Ensino Médio.
Felipe Camarão não está ao
alcance dos olhos dos visitantes e tampouco dos nativos mais segregados. Este
fato contribui, sobremaneira, para consolidar a fama obtida pela cidade de
Natal de bela e esconder a real diversidade de sua geografia humana, bem como
as mazelas sofridas por grande parte da população residente em bairros com
menor estrutura. Em pesquisa realizada pela CONSULEST e o Grupo de Sociologia
Clinica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o bairro foi apontado
por 43,9% dos entrevistados, como o mais violento de Natal. O índice de
qualidade de vida, no que tange ao saneamento ambiental é de 0,27.
O número de pessoas analfabetas
chega a 22,9% da população com mais de 25 anos. Um dos principais líderes em
número de casos de violência contra a mulher, maus tratos e abuso e exploração
sexual de crianças e adolescentes, Felipe Camarão é também o bairro que detêm o
maior volume de sub-moradias, com pelo menos oito favelas em seu espaço
geográfico. Este ano mais de 40 jovens já foram vitimas da violência armada.
Entre os mais de 36 bairros que compõe a cidade de Natal, é o 4° mais populoso;
É formado por 18 comunidades, dentre estas, 08 são irregulares. Está localizado
na zona Oeste de Natal, região que em conjunto com a zona norte abriga mais de
50% da população pobre e 60% do total das favelas do município. Mas há uma boa
noticia: Felipe Camarão é também o bairro mais evangélico de Natal.
Em 2001 o Serviço para
Evangelização da América Latina (SEPAL) fez um levantamento das igrejas
evangélicas em Natal e encontrou 41 igrejas em Felipe Camarão. Em 2005, com
financiamento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foi realizada uma
cuidadosa pesquisa e encontramos 59 igrejas no bairro. Hoje, já existem
diversas outras que surgiram depois de 2005, de modo que podemos dizer com
bastante certeza de no atual momento existem pelo menos 70 igrejas atuantes na
comunidade!
Os evangélicos de Natal começaram
a ser despertados para o desafio de Felipe Camarão em setembro de 2003, no
Seminário Teológico-Estratégico: Modos de enfrentamento da Pobreza em Natal,
onde ficou clara a urgência de voltar nossos olhos para a região. Naquele mesmo
ano, a pesquisa divulgada pela SEPAL chamou a atenção de vários líderes
cristãos atuantes na comunidade, que se reuniram para refletir sobre a
contribuição que poderiam dar na reversão dos cruéis indicadores sociais de
Felipe Camarão. A pergunta a dar a tônica do evento era o porquê essas duas
realidades (a combinação dos piores índices de desenvolvimento humano e maior
concentração de igrejas) não se cruzarem durante anos, permanecendo isoladas e
intactas, como se não coexistissem. Porque a forte presença da igreja não se
traduz em transformações do contexto injusto em que está inserida? As perturbadoras
constatações sobre a apatia das igrejas em relação aos alarmantes desafios
sociais, levaram os líderes a refletir sobre a necessidade de dar continuidade
a este trabalho.
Em 2005, enquanto eram realizadas
reuniões mensais nas mais diversas igrejas do bairro, uma pesquisa patrocinada
pela UFRN ia descobrindo cada igreja Felipe Camarão. Ao longo destas reuniões,
uma rede de igrejas e líderes foi sendo construída coletivamente. Em dezembro
de 2005 a ALEF (Associação de Líderes Evangélicos de Felipe Camarão) foi
oficialmente criada, com o objetivo de reunir as igrejas que atuam localmente
para o desenvolvimento de programas focados na transformação comunitária e
missão integral. As igrejas possuem uma capilaridade que não pode ser
encontrada em nenhuma outra forma de organização social das comunidades,
estando presentes em todos os recantos dos bairros e favelas, mesmo os mais
inóspitos, onde os problemas sociais ensejam sua face mais cruel e os serviços
públicos são ainda mais ausentes. O resultado é revolucionário: não apenas uma
organização, mas uma rede de igrejas, líderes (não apenas pastores, mas
líderes comunitários, de jovens, de mulheres, de missões...), com os seguintes
objetivos: 1) A interação entre as igrejas para que por meio dela se processe
de modo mais integrado o cumprimento da missão integral deixada por Jesus
Cristo; 2) A maior expressão da face pública das igrejas associadas; 3)
Pesquisa e analise da realidade; 4) ações que de enfrentamento dos desafios
sociais e de desenvolvimento sustentável; 5) a formação de liderança nas mais
diversas áreas. Vem sendo desenvolvido diversas ações e projetos conjuntos, e
com o alvo de mobilizar suas comunidades para o desenvolvimento e transformação
integral, com ações em oito principais eixos de atuação: educação, formação de
liderança (em áreas relacionadas a missão integral e desenvolvimento
comunitário), criança e adolescente, saúde, meio ambiente, construção da paz,
economia solidária, cultura e juventude. A ALEF foi criada
Com o tempo, um grande número de
igrejas e organizações de varias outras regiões de Natal e do Nordeste tem se
deslocado a Felipe Camarão para participar dos vários encontros, seminários,
capacitações e oportunidades de treinamento, motivação e mobilização de
Pastores e Líderes de igrejas do Nordeste para a missão integral promovidos
pela ALEF. Isso tem provocado a multiplicação de muitas iniciativas de
engajamento de igrejas e instituições cristãs na transformação integral das
regiões em que estão atuando. Diante disto, uma das ações que a ALEF espera
fortalecer nos próximos anos é fomentar um movimento de mobilização de igrejas
para a missão integral em outras comunidades e bairros nordestinos, a partir do
contexto e da experiência das igrejas de Felipe Camarão, ao mesmo tempo em que
trabalha pelo fortalecimento, expansão das ações e mobilização de igrejas e
líderes em seu próprio contexto: o bairro e suas adjacências.
Nossa visão: a transformação
integral das comunidades.
Felipe Camarão ilustra um cenário
comum às comunidades empobrecidas de todos os rincões do Norte-Nordeste.
Nenhuma outra organização está tão presente nos bairros. Porém, quando
comparamos a presença da igreja com seu impacto ficamos frustrados! Embora
muitas pessoas estejam sendo alcançadas pelo evangelho, coletivamente a igreja
não está influenciando na estrutura social das comunidades do país. Falta voz profética contra a violência e corrupção, falta
luta pela causa dos pobres, como nos exorta a Palavra de Deus: “O justo se
interessa pela causa dos pobres, mas o perverso de nada disso quer saber”
(Provérbios 29:7). O resultado está aí: quanto mais empobrecida a comunidade,
maior o número de igrejas. O evangelho cresce, mas não há mudança,
transformação. É razoável afirmar que podemos fazer mais!
Dois
são os motivos principais de dezenas de igrejas em um único bairro não
conseguirem causar impacto social: a falta de unidade, e a uma missiologia
reducionista.
Cada igreja têm se voltado para
suas próprias atividades, não reservando espaço em sua agenda para o trabalho
conjunto com outras igrejas. Se desejarmos influenciar as comunidades em que
atuamos com o evangelho integral, devemos inserir em nossas agendas esta
palavra bem especifica: unidade. Mas que tipo de unidade devemos buscar?
Certamente que a concepção ufanista das marchas e movimentos pontuais não é
suficiente. É necessário construir um amplo esforço conjunto, baseado em
projetos, ações e programas direcionados a provocar transformações sociais que
possam fazer da comunidade um lugar mais parecido com o Reino de Deus e
construir uma face pública relevante, que expresse contundentemente os valores
do evangelho para regiões que clamam por uma intervenção efetiva do corpo de
Cristo. Por maior que seja, nenhuma igreja pode mudar sozinha toda
uma região. Este trabalho é coletivo.
É necessário repensar a eficácia
de nossos modelos missiologicos. As comunidades estão cheias de igrejas
irrelevantes, centradas apenas no esforço evangelístico, entendido como
"salvar almas para o céu", mas que não se lembram do quão radical foi
à encarnação de Jesus, que em seu ministério ia por toda a parte “pregando,
ensinando e fazendo o bem” (Mt 10.38). Urge que empreendamos esforços a fim de
ampliar nossa compreensão da missão, entendendo que esta se baseia não apenas em
“ganhar almas”, mas em discipular e servir as comunidades nas quais atuamos,
sinalizando com a maior densidade possível, em palavras e ações, o Reino de
Deus, que é justiça, paz e alegria no espírito santo! Felipe Camarão está ai
para mostrar que isto é possível!
* Leandro Silva é Missionário e
Presidente da ALEF – Associação de Líderes Evangélicos de Felipe Camarão
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