O
doutor e escritor Dráuzio Varella, conhecido nacionalmente por suas campanhas
de saúde pela prevenção a doenças, revelou ser ateu e afirmou em um artigo
escrito para o jornal Folha de S. Paulo que “o fervor religioso é uma arma
assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso”.
Para
Varella, na visão das pessoas religiosas, “os ateus são desprezíveis,
desprovidos de princípios morais, materialistas, incapazes de um gesto de compaixão,
preconceito que explica por que tantos fingem crer no que julgam absurdo”.
Dráuzio
Varella afirma que foi educado para ser compreensivo com as crenças alheias,
mesmo que não fizessem sentido para ele: “Fui educado para respeitar as crenças
de todos, por mais bizarras que a mim pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a
enfrentar suas contradições existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne
intolerante, autoritária ou violenta”.
O
médico argumenta que as pessoas de fé também são ateias em relação à uma crença
diferente da sua. “Os religiosos que têm dificuldade para entender como alguém
pode discordar de sua cosmovisão devem pensar que eles também são ateus quando
confrontados com crenças alheias”, e critica o critério da sociedade em relação
aos ateus: “Os pastores milagreiros da TV que tomam dinheiro dos pobres são
tolerados porque o fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no
supermercado desperta admiração entre seus pares porque obedeceria aos
desígnios do Profeta. Fossem ateus, seriam considerados mensageiros de
Satanás”, pontua.
O
doutor explica em seu artigo que a postura de um ateu frente à fé não é
oposição, simplesmente: “Não se trata de opção ideológica: o ateu não acredita
simplesmente porque não consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém
a crer leva outro a desacreditar”.
Confira
abaixo a íntegra do artigo:
A
humanidade inteira segue uma religião ou crê em algum ser ou fenômeno
transcendental que dê sentido à existência. Os que não sentem necessidade de
teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são tão poucos que
parecem extraterrestres.
Dono
de um cérebro com capacidade de processamento de dados incomparável na escala
animal, ao que tudo indica só o homem faz conjecturas sobre o destino depois da
morte. A possibilidade de que a última batida do coração decrete o fim do
espetáculo é aterradora. Do medo e do inconformismo gerado por ela, nasce a
tendência a acreditar que somos eternos, caso único entre os seres vivos.
Todos
os povos que deixaram registros manifestaram a crença de que sobreviveriam à
decomposição de seus corpos. Para atender esse desejo, o imaginário humano
criou uma infinidade de deuses e paraísos celestiais. Jamais faltaram,
entretanto, mulheres e homens avessos a interferências mágicas em assuntos
terrenos. Perseguidos e assassinados no passado, para eles a vida eterna não
faz sentido.
Não
se trata de opção ideológica: o ateu não acredita simplesmente porque não
consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém a crer leva outro a
desacreditar.
Os
religiosos que têm dificuldade para entender como alguém pode discordar de sua
cosmovisão devem pensar que eles também são ateus quando confrontados com
crenças alheias.
Que
sentido tem para um protestante a reverência que o hindu faz diante da estátua
de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano voltado para Meca? Ou o espírita
que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o Grande? Para hindus, muçulmanos e
espíritas esse cristão não seria ateu?
Na
realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e
superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada quando vê as velas
e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés da
virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor? Ou o politeísta ao
ouvir que não há milhares, mas um único Deus?
Quantas
tragédias foram desencadeadas pela intolerância dos que não admitem princípios
religiosos diferentes dos seus? Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam
a vida?
O
ateu desperta a ira dos fanáticos, porque aceitá-lo como ser pensante obriga-os
a questionar suas próprias convicções. Não é outra a razão que os fez
apropriar-se indevidamente das melhores qualidades humanas e atribuir as demais
às tentações do Diabo. Generosidade, solidariedade, compaixão e amor ao próximo
constituem reserva de mercado dos tementes a Deus, embora em nome Dele sejam
cometidas as piores atrocidades.
Os
pastores milagreiros da TV que tomam dinheiro dos pobres são tolerados porque o
fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no supermercado
desperta admiração entre seus pares porque obedeceria aos desígnios do Profeta.
Fossem ateus, seriam considerados mensageiros de Satanás.
Ajudamos
um estranho caído na rua, damos gorjetas em restaurantes aos quais nunca
voltaremos e fazemos doações para crianças desconhecidas, não para agradar a
Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo recíproco fazem parte do
repertório comportamental não apenas do homem, mas de gorilas, hienas, leoas,
formigas e muitos outros, como demonstraram os etologistas.
O
fervor religioso é uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os
que pensam de modo diverso. Em vez de unir, ele divide a sociedade -quando não
semeia o ódio que leva às perseguições e aos massacres.
Para
o crente, os ateus são desprezíveis, desprovidos de princípios morais,
materialistas, incapazes de um gesto de compaixão, preconceito que explica por
que tantos fingem crer no que julgam absurdo.
Fui
educado para respeitar as crenças de todos, por mais bizarras que a mim
pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar suas contradições
existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne intolerante, autoritária ou
violenta.
Quanto
aos religiosos, leitor, não os considero iluminados nem crédulos, superiores ou
inferiores, os anos me ensinaram a julgar os homens por suas ações, não pelas
convicções que apregoam.
(Fonte: Gospel Mais)
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