A socióloga Cristina Vital,
professora da Universidade Federal Fluminense, concedeu uma entrevista à
revista Carta Capital, falando sobre o movimento social que resulta do
crescimento dos evangélicos no Brasil.
Durante a entrevista, Vital afirmou que “o crescimento
evangélico atingiu o seu auge” e que, embora isso não signifique que o grupo
irá parar de crescer, o ritmo será menor. A tese contraria previsões do Serviço
de Evangelização para a América Latina (Sepal), de que em oito anos, metade da
população brasileira será evangélica. Atualmente a percentagem de evangélicos é
de 22%.
Questionada sobre os motivos desse crescimento, a socióloga
citou diversos fatores que contribuíram com a escalada: “O aumento de décadas
passadas estava referido a um contexto de mudanças na sociedade ao longo da
década de 1980 e que se refletiria no Censo de 1990: êxodo rural (os
evangélicos são mais presentes no meio urbano) e a forte rede de solidariedade
que os evangélicos oferecem para estes que estão, muitas vezes, longe da
família. Também o crescimento dos evangélicos no espaço público seja através da
política, seja através da presença na mídia televisiva, além da nova
perspectiva cristã que o surgimento dos neopentecostais ofereceu para os que já
estavam acostumados com a mensagem bíblica nas igrejas evangélicas históricas,
nas pentecostais mais tradicionais ou mesmo no catolicismo”, enumerou Cristina
Vital.
Sobre a possibilidade de que o Brasil se torne um país de
maioria evangélica algum dia, a socióloga afirmou acreditar que não: “A força
da nossa tradição cultural forjada pela articulação política, social e
econômica entre Estado, Igreja Católica e elites rurais nos dificulta pensar
numa maioria evangélica”, argumentando com dados culturais históricos do país.
Entre outros assuntos, como doutrina e pulverização do meio
evangélico, Cristina Vital falou também sobre a influência evangélica na
sociedade através da política. Confira abaixo a íntegra daentrevista à revista Carta
Capital:
O
boom evangélico está próximo do fim?
Parte das análises sobre os dados de
religião do Censo 2010 nos conduzem para uma conclusão: o crescimento
evangélico atingiu o seu auge. Estas análises privilegiam a perspectiva do
“copo vazio”. Logo, acentuariam a desaceleração do crescimento evangélico em
detrimento de buscarem entender o que significa um crescimento de mais de 40%
de um segmento religioso. Entendo que as análises do tipo “copo vazio” estão
referidas a expectativas vindas do próprio campo evangélico e também anunciadas
por estudiosos da religião no Brasil que anunciavam um crescimento mais
expressivo.
O
que explica o boom dos anos 1990?
O aumento de décadas passadas estava
referido a um contexto de mudanças na sociedade ao longo da década de 1980 e
que se refletiria no Censo de 1990: êxodo rural (os evangélicos são mais
presentes no meio urbano) e a forte rede de solidariedade que os evangélicos
oferecem para estes que estão, muitas vezes, longe da família. Também o
crescimento dos evangélicos no espaço público seja através da política, seja
através da presença na mídia televisiva, além da nova perspectiva cristã que o
surgimento dos neopentecostais ofereceu para os que já estavam acostumados com
a mensagem bíblica nas igrejas evangélicas históricas, nas pentecostais mais
tradicionais ou mesmo no catolicismo.
O
movimento neopentecostal foi o grande protagonista da explosão numérica dos
evangélicos?
A partir, sobretudo, de meados da
década de 1990, uma série de embates começam a emergir no campo religioso
brasileiro. O elemento central das várias controvérsias em curso foi o segmento
neopentecostal. Estas controvérsias atingiram também, em termos de imagem
pública, os pentecostais de modo geral. Mas, com todas as polêmicas e críticas
em torno das doutrinas e rituais evangélicos, eles continuaram em crescimento.
Assim, eram 3,4% em 1950; 4% em 1960; 5,2% em 1970, 6,6% em 1980, 9% em 1990;
15,5% em 2000 e agora atingiram 22% da população nacional. Para além de pensar
no crescimento percentual que é expressivo, saliento, vale uma reflexão sobre o
papel que este segmento religioso tem em nossa cultura.
Quais
são as principais contribuições?
O Brasil que tem sua identidade social
e cultural amplamente atravessada pelo cristianismo católico. Das últimas
décadas para cá, vem sendo afetado pela cultura evangélica seja através do
mercado gospel, seja através da articulação de uma gramática tão singularmente
acionada pelos seus fiéis. Sendo assim, é comum escutarmos expressões como “só
Jesus”; “fulano é um abençoado”, “o sangue de Jesus tem poder”, “tá amarrado”,
entre outras. No País, falou-se sempre de uma religiosidade católica difusa que
envolvia uma crença compartilhada em certos valores professados pela igreja
católica e em um certo repertório sagrado que tinha a ver com a não prática da
religião, mas na crença em alguns de seus sacramentos e na força de alguns de seus
santos. Mais recentemente observa-se uma religiosidade evangélica difusa,
sobretudo no meio popular, mas que se espraia, paulatinamente, para toda a
nossa sociedade.
Trata-se
de um fenômeno cultural?
Sim, e o meio artístico tem sido
importante para isto. Há duplas sertanejas e grupos de pagode que cantam
canções evangélicas ou fazem menções a elas. Existem grupos de rap e de funk
que articulam a gramática evangélica através de expressões e de acionamento de
imagens e situações comumente articuladas pelas lideranças evangélicas em seus
cultos seja nas igrejas, nas prisões ou entre traficantes nas favelas. Sendo
assim, não olho para o crescimento de mais de 40% dos evangélicos no Brasil do
Censo de 2000 para 2010 como algo banal ou como a expressão de um
enfraquecimento deste segmento religioso! Mas esta perspectiva, comso disse
inicialmente, está muito informada pelas projeções que marcavam um crescimento
maior, sem considerar que em momento anterior a sociedade como um todo passava
por muitas transformações em diferentes campos da vida social (econômico,
político, cultural) e que o campo religioso foi somente mais um deles a ser
grandemente afetado.
A
senhora acredita que o Brasil terá maioria evangélica em algum momento?
A força da nossa tradição cultural
forjada pela articulação política, social e econômica entre Estado, Igreja
Católica e elites rurais nos dificulta pensar numa maioria evangélica que
implicasse na formação de uma sociedade ascética. No entanto, chamo atenção
para o fato de que a sociedade está em movimento e também o campo religioso que
pode promover adaptações que venham a surpreender e resultar num crescimento
igualmente surpreendente.
O
que explica o elevado percentual de “evangélicos não determinados” do último
Censo (4,8% da população brasileira)?
Estes dados podem indicar que o fluxo
de entrada e saída de fiéis das denominações evangélicas é muito acentuado.
Isto poderia, por seu turno, indicar que tanto os fiéis estão mudando quanto
podem estar sendo mais flexíveis as próprias igrejas evangélicas na relação com
o seu público alvo. Por outro lado, observamos um crescimento das igrejas
históricas renovadas, que seria o movimento pentecostal entre as denominações
ditas tradicionais ou históricas. Este crescimento poderia sinalizar, como
alguns sociólogos da religião vem defendendo, um modo de viver a fé pentecostal
sem se expor à imagem controversa que desfrutam os evangélicos pentecostais.
Uma imagem negativa por vezes ligada à intolerância, ao baixo nível
educacional, ao enriquecimento ilícito dos líderes religiosos.
Alguns
pesquisadores sustentam que a expansão também se deve à flexibilização dos
costumes entre os evangélicos.
É fato que as igrejas evangélicas,
pela descentralidade que caracteriza este universo, em oposição à Igreja
Católica Apostólica Romana, são mais flexíveis. As igrejas evangélicas têm
grande capacidade de se adaptarem ao público alvo desta e daquela denominação.
Adaptam-se em termos discursivos, doutrinários e ritualísticos ao meio urbano e
ao meio rural, às minorias (lembrando que há igrejas evangélicas chamadas
inclusivas, isto é, que são dirigidas por gays), etc. No entanto, não vejo esta
flexibilidade como uma continuidade em relação a padrões culturais existentes.
O mundo evangélico é de acolhimento, de aproximação para a transformação para
os padrões morais que professam. Sendo assim, avançam entre grupos que poderiam
parecer antagônicos a esta fé, mas o fazem justamente numa perspectiva de cura.
Sempre a cura!
Curar
os que se desviaram da doutrina cristã?
Esta é uma dimensão importante no
imaginário evangélico. E assim avançam entre os rockeiros, funkeiros,
traficantes, prostitutas, pagodeiros, mas com uma perspectiva proselitista que
visa transformar grupos e pessoas. Em termos políticos, sociais e econômicos
este segmento já causou muito impacto e continua causando. Só para tratarmos do
primeiro ponto, no cenário político nacional e de alguns estados, o elemento
religioso é absolutamente fundamental, decisivo.
Qual
é o grau de influência política dos evangélicos?
Vimos como eles tiveram importância
nas eleições presidenciais de 2010, na qual assumiram papel de destaque na
polêmica em torno do aborto. O tema entrou na agenda política a ser tratada
pelos candidatos. Também tiveram papel de destaque na controvérsia em torno do
Kit Anti-homofobia para as escolas públicas e do caso Palocci. Enfim, a
presença evangélica remexeu tanto o campo político nacional que começamos a
assistir nas campanhas para os cargos eletivos nacionais, estaduais e municiais
a apresentação da identidade religiosa dos candidatos. A identidade católica,
que de tão hegemônica não precisava ser mencionada, passou a ser mencionada.
Também a identidade de candidatos espíritas e ligados a religiões de matriz
africana. Todos nós assistimos recentemente a formação do que vem sendo chamada
de frente parlamentar de terreiros, por exemplo.
Fonte: Redação Gospel +
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