A militância evangélica no Congresso Nacional
e a nomeação do senador Marcelo Crivella ao Ministério da Pesca tem despertado
formadores de opinião na imprensa, ao passo que formam-se especulações sobre os
reais motivos da nomeação do bispo.
Tomando como base declarações do próprio
Crivella, o jornalista Alberto
Dines, do jornal Diário de S. Paulo afirmou que “ao afirmar que sequer sabe
enganchar a minhoca no anzol o novo ministro da Pesca, senador Marcelo Crivella
(PRB-RJ), não apenas fez uma rara opção pela verdade como escancarou a
enganação embutida na criação e manutenção deste Monumento ao Desperdício
chamado Secretaria Especial da Pesca”.
A critica do jornalista estendeu-se também ao
governo federal, afirmando que a declaração do senador aponta a real intenção
do governo com a nomeação, que seria melhorar a relação com bancada evangélica:
“Só confirmou o real objetivo da manobra. No que foi ajudado pelo devoto
ministro Gilberto de Carvalho, ao declarar que a nomeação do Pescador-Mor “vai
facilitar a relação com as igrejas”.
Para o jornalista Alberto Dines, os atrasos
sociais do país em relação à educação, ciência, cultura e imprensa decorrem “da
prolongada sujeição do Estado à Igreja”, e chama a atenção para uma alteração
de atuação política dos líderes religiosos: “Antes do velocíssimo crescimento
das seitas evangélicas no Brasil, quem ousava contrapor-se à hegemonia da
Igreja eram as diferentes confissões luteranas”.
Dines afirma ainda que o acesso das igrejas
aos meios de comunicação não é legítimo e que os governantes do país tentam,
com privilégios, equilibrar as relações com os religiosos:
“Ditadores e
presidentes enfrentaram o poderoso vetor teocrático com a mesma esperteza:
contentando de forma equitativa católicos e protestantes, facilitando seus
imensos privilégios, concedendo-lhes o ilegítimo acesso aos meios de
comunicação eletrônicos e sepultando nas gavetas qualquer debate que possa nos
aproximar do Estado de Direito democrático, secular e isonômico”.
Ironizando a atuação política de líderes
religiosos, Dines faz uma alusão à disputa entre bem e mal para descrever o que
em sua opinião, caracteriza a relação entre fé e estado: “O vale-tudo
infiltrou-se no terreno da fé. Crivella, suas minhocas e peixes são o símbolo
de um sincretismo que parece coisa do diabo”.
Confira abaixo a íntegra do artigo “Moqueca à
Crivella”, do jornalista Alberto Dines:
Histórias de pescador são geralmente fantasiosas, mas ao afirmar que sequer sabe enganchar a minhoca no anzol o novo ministro da Pesca, senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), não apenas fez uma rara opção pela verdade como escancarou a enganação embutida na criação e manutenção deste Monumento ao Desperdício chamado Secretaria Especial da Pesca.
O herdeiro da Igreja Universal do Reino de Deus, líder da bancada evangélica do Legislativo, completou seu breve convívio com a transparência ao negar que a nova carreira piscatória tenha algo a ver com o esforço do governo federal em reforçar a candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo. Com isso, só confirmou o real objetivo da manobra. No que foi ajudado pelo devoto ministro Gilberto de Carvalho, ao declarar que a nomeação do Pescador-Mor “vai facilitar a relação com as igrejas.”
Esta indigesta moqueca à Crivella tem o mérito de trazer para a agenda nacional a escamoteada questão do secularismo. O Brasil está retornando rapidamente ao estágio teocrático que vigeu sem interrupções do descobrimento até a votação da primeira Carta Magna republicana, em 1891. Embora seja pacífico que o nosso atraso em matéria de educação, ciência, cultura e imprensa decorra da prolongada sujeição do Estado à Igreja, nada se fez para reverter tão grave deficiência institucional. O Estado de Direito no Brasil é capenga, todos sabem disso. Ninguém tenta reabilitá-lo, tanto na esfera simbólica como administrativa.
O vale-tudo no terreno da fé
Antes do velocíssimo crescimento das seitas evangélicas no Brasil, quem ousava contrapor-se à hegemonia da Igreja eram as diferentes confissões luteranas. O general-ditador Ernesto Geisel, único chefe de Estado ostensivamente anti-católico, em 1976, numa das freadas da sua distensão, aproveitou-se do arsenal autoritário para emplacar de forma solerte a dissolução do casamento e a legitimação do divórcio, o que abalou a Igreja, enfraqueceu sua formidável cruzada em defesa dos direitos humanos e deu à ditadura um amplo apoio popular.
De lá para cá, ditadores e presidentes enfrentaram o poderoso vetor teocrático com a mesma esperteza: contentando de forma equitativa católicos e protestantes, facilitando seus imensos privilégios, concedendo-lhes o ilegítimo acesso aos meios de comunicação eletrônicos e sepultando nas gavetas qualquer debate que possa nos aproximar do Estado de Direito democrático, secular e isonômico. Mesmo o Poder Judiciário – teoricamente comprometido com suas prerrogativas e independência – convive no plenário da Suprema Corte com a discrepante exibição da cruz acima das armas da República. Na Espanha, muito mais católica, isto seria um acinte. Aqui, não chama a atenção dos eleitores, políticos, nem confronta os meritíssimos.
Esta incapacidade de defender o secularismo e a ideia do Estado laico manifesta-se com igual intensidade nas hostes do governo e da oposição. PT e PSDB, geneticamente de esquerda, deram um jeito de driblar os respectivos DNAs e não resistem à tentação de comungar e persignar-se em atos oficiais, mesmo sabidamente ateus, agnósticos ou céticos. Os confessores de hoje não se importam com ave-marias erradas e padre-nossos incompletos, diferentemente do que acontecia nos tempos da Inquisição.
O vale-tudo infiltrou-se no terreno da fé. Crivella, suas minhocas e peixes são o símbolo de um sincretismo que parece coisa do diabo.
Fonte: Gospel+
Nenhum comentário:
Postar um comentário